A balcanização da Bolívia
por LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estimulada por identidade e economia, região da meia-lua avança para a secessão
Não está longe da realidade a denúncia do presidente da Bolívia, Evo Morales, segundo a qual os líderes políticos do oriente boliviano, a "media-luna" conformada pelos departamentos de Tarija, Chuquisaca, Santa Cruz, Beni e Pando, estariam a desejar um golpe militar contra o seu governo.
No curso do mês de agosto, com o término dos trabalhos da Constituinte, a crise que se está tornando crônica na Bolívia pode se agravar e evoluir para um confronto armado, dado que há virtualmente uma dualidade de poderes, com a formação da Junta Autonômica Democrática da Bolívia pelos prefeitos daquelas cinco Províncias.
Ligado a capitalistas chilenos, o banqueiro Branko Marinkovic Jovicevic, de origem croata, foi eleito presidente da Federação de Empresários Privados de Santa Cruz (Fepsc) e está à frente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, braço político do movimento Nação Camba, sustentado por poderosas organizações, como Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), Câmara de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz (Cainco), a Federação de Empresários e a Federação de Pecuaristas de Santa Cruz (Fegasacruz).
O Movimento Nação Camba parte do princípio de que a região de Santa Cruz de la Sierra foi anexada à Bolívia devido à sua debilidade institucional, demográfica e econômica, que já desapareceu, e de que há uma identidade nacional dos cruzenhos e, em geral, dos povos chaco-amazônicos e dos vales, em decorrência da geografia e da cultura no concerto da América Latina e do mundo.
Essa identidade nacional, segundo argumenta, é a base do seu desenvolvimento, de sua história comum, da linguagem e das tradições que lhe dão uma personalidade cultural diferente dos chollos -os habitantes do Altiplano, indígenas, na maioria, de origem quéchua e aymará.
Considera também seu vasto território como pátria comum de todos os cambas, que se estende até onde chega sua cultura, a base material de seu poder nacional e propriedade inalienável da Nação Camba -os recursos naturais de Santa Cruz de la Sierra, onde estão 2,8 trilhões de pés cúbicos de gás dos 26,7 trilhões de reservas provadas da Bolívia. Se somadas às prováveis, o volume sobe a 48,7 trilhões de pés cúbicos.
O Movimento Nação Camba tem um caráter nitidamente separatista, e seu objetivo aparente é formar outro Estado, integrado pelos departamentos da "media-luna", à qual Manfred Reyes Villa, prefeito de Cochabamba, pretendera anexar esse departamento situado exatamente entre o oriente e o ocidente, rompendo o frágil equilíbrio entre autonômicos e não-autonômicos -o que foi frustrado pela mobilização de 40 organizações sociais, muitas integradas por indígenas e camponeses.
Por outro lado, Reyes Villa, ex-militar formado na Escola das Américas, no Panamá, quando era chefe de segurança na ditadura do general Luís Garcia Mesa Tejada (1980-1981), opõe-se à autonomia indígena e crê que a Assembléia Constituinte será um fracasso.
Ao que tudo indica, Washington prevê uma situação muito difícil na Bolívia, ante a possibilidade real de que Santa Cruz de la Sierra e demais departamentos da "media-luna" se rebelem contra La Paz. Esta seria a razão pela qual o presidente George W. Bush designou Philip Goldberg para servir como embaixador na Bolívia.
Esse diplomata tem experiência em conflitos étnicos e tendências separatistas, que irromperam no Leste europeu após a desintegração da Iugoslávia. Ele trabalhara na questão da Bósnia, no Departamento de Estado, de 1994 a 1996; fora assistente especial do embaixador Richard Holbrooke, o artífice da desintegração da Iugoslávia; e servira como chefe da Missão dos EUA em Prístina, Kosovo (2004-06), onde orientou a separação dos Estados da Sérvia e Montenegro, após haver sido ministro conselheiro na Embaixada dos Estados Unidos em Santiago do Chile (2001-04).
A suspeita em La Paz é de que ele foi designado a fim de conduzir o processo de separação de Santa Cruz de la Sierra, caso ela ocorra, após a aprovação da nova Constituição e em meio à exacerbação das tensões étnicas, sociais e políticas, aguçadas pelo choque de interesses econômicos das distintas regiões da Bolívia.
--------------------------------------------------------------------------------
LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA é cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)", que lhe valeu ser eleito pela União Brasileira de Escritores, com o patrocínio da Folha, Intelectual do Ano 2005
por LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estimulada por identidade e economia, região da meia-lua avança para a secessão
Não está longe da realidade a denúncia do presidente da Bolívia, Evo Morales, segundo a qual os líderes políticos do oriente boliviano, a "media-luna" conformada pelos departamentos de Tarija, Chuquisaca, Santa Cruz, Beni e Pando, estariam a desejar um golpe militar contra o seu governo.
No curso do mês de agosto, com o término dos trabalhos da Constituinte, a crise que se está tornando crônica na Bolívia pode se agravar e evoluir para um confronto armado, dado que há virtualmente uma dualidade de poderes, com a formação da Junta Autonômica Democrática da Bolívia pelos prefeitos daquelas cinco Províncias.
Ligado a capitalistas chilenos, o banqueiro Branko Marinkovic Jovicevic, de origem croata, foi eleito presidente da Federação de Empresários Privados de Santa Cruz (Fepsc) e está à frente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, braço político do movimento Nação Camba, sustentado por poderosas organizações, como Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), Câmara de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz (Cainco), a Federação de Empresários e a Federação de Pecuaristas de Santa Cruz (Fegasacruz).
O Movimento Nação Camba parte do princípio de que a região de Santa Cruz de la Sierra foi anexada à Bolívia devido à sua debilidade institucional, demográfica e econômica, que já desapareceu, e de que há uma identidade nacional dos cruzenhos e, em geral, dos povos chaco-amazônicos e dos vales, em decorrência da geografia e da cultura no concerto da América Latina e do mundo.
Essa identidade nacional, segundo argumenta, é a base do seu desenvolvimento, de sua história comum, da linguagem e das tradições que lhe dão uma personalidade cultural diferente dos chollos -os habitantes do Altiplano, indígenas, na maioria, de origem quéchua e aymará.
Considera também seu vasto território como pátria comum de todos os cambas, que se estende até onde chega sua cultura, a base material de seu poder nacional e propriedade inalienável da Nação Camba -os recursos naturais de Santa Cruz de la Sierra, onde estão 2,8 trilhões de pés cúbicos de gás dos 26,7 trilhões de reservas provadas da Bolívia. Se somadas às prováveis, o volume sobe a 48,7 trilhões de pés cúbicos.
O Movimento Nação Camba tem um caráter nitidamente separatista, e seu objetivo aparente é formar outro Estado, integrado pelos departamentos da "media-luna", à qual Manfred Reyes Villa, prefeito de Cochabamba, pretendera anexar esse departamento situado exatamente entre o oriente e o ocidente, rompendo o frágil equilíbrio entre autonômicos e não-autonômicos -o que foi frustrado pela mobilização de 40 organizações sociais, muitas integradas por indígenas e camponeses.
Por outro lado, Reyes Villa, ex-militar formado na Escola das Américas, no Panamá, quando era chefe de segurança na ditadura do general Luís Garcia Mesa Tejada (1980-1981), opõe-se à autonomia indígena e crê que a Assembléia Constituinte será um fracasso.
Ao que tudo indica, Washington prevê uma situação muito difícil na Bolívia, ante a possibilidade real de que Santa Cruz de la Sierra e demais departamentos da "media-luna" se rebelem contra La Paz. Esta seria a razão pela qual o presidente George W. Bush designou Philip Goldberg para servir como embaixador na Bolívia.
Esse diplomata tem experiência em conflitos étnicos e tendências separatistas, que irromperam no Leste europeu após a desintegração da Iugoslávia. Ele trabalhara na questão da Bósnia, no Departamento de Estado, de 1994 a 1996; fora assistente especial do embaixador Richard Holbrooke, o artífice da desintegração da Iugoslávia; e servira como chefe da Missão dos EUA em Prístina, Kosovo (2004-06), onde orientou a separação dos Estados da Sérvia e Montenegro, após haver sido ministro conselheiro na Embaixada dos Estados Unidos em Santiago do Chile (2001-04).
A suspeita em La Paz é de que ele foi designado a fim de conduzir o processo de separação de Santa Cruz de la Sierra, caso ela ocorra, após a aprovação da nova Constituição e em meio à exacerbação das tensões étnicas, sociais e políticas, aguçadas pelo choque de interesses econômicos das distintas regiões da Bolívia.
--------------------------------------------------------------------------------
LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA é cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)", que lhe valeu ser eleito pela União Brasileira de Escritores, com o patrocínio da Folha, Intelectual do Ano 2005